A LEITURA DE CLÁSSICOS
1 de outubro de 2020

A LEITURA DE CLÁSSICOS

Categoria | Sem categoria

A LEITURA DE CLÁSSICOS Harry Wiese “Ainda me lembro. Era um livro grosso de cor verde-musgo-claro, quase da mesma tonalidade da Mata dos Bugres”. Assim se inicia meu romance “A sétima Caverna”, editora Hemisfério Sul, Blumenau, 2008. Também me lembro do livro “Crime e castigo” (Schuld und Sühne), de Fiódor Dostoievski, edição em língua alemã, que li quando contava dez ou onze anos de idade, à noite, à luz de lamparina. Meu pai incomodado com meu gesto me perguntava: – Você entende o que lê? – É lógico que entendia à minha maneira evidentemente, o suficiente, tanto que hoje ainda me lembram detalhes. Acabei de ler a crônica “Por que ler os clássicos”, de Italo Calvino, um dos maiores escritores italianos. Esta leitura levou-me a revisitar a obra de Dostoievski nos labirintos da subconsciência e voltar a reconhecer-me amante de leitura de clássicos. Além dos brasileiros, li Goethe, Dumas, Bunyan, Flaubert, entre outros gigantes da literatura mundial. Clássicos são clássicos e, conforme Calvino, “Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual”. Assim, incentivar a leitura deles e estudá-los, fi-lo muitíssimas vezes em aulas de literatura em colégios e universidades, nos meus mais de cinquenta anos de docência. Julgar Capitu, do livro “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, foi uma das extravagâncias literárias, que o esquecimento não se atreve a consumar. Foi num sábado, das nove às catorze horas, em um Curso de Letras, em Brusque. É lógico que não há evidências suficientes para condenar Capitu por traição. O objetivo era estudar o clássico do velho Machado, mas no final da atividade, faltou pouco para acusação e defesa acertarem as diferenças pelas vias de fato, tal a empolgação dos acadêmicos. Os clássicos possuem a propriedade de releitura. A cada nova investida literária descobrimos novas mensagens, novos encantos e novos conhecimentos, o que é fundamentalíssimo. Toda releitura, portanto, é uma leitura de novas descobertas. Assim, clássicos editados há séculos expressam velhos conceitos com roupagem atualizada. São clássicos, conforme Calvino, “aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los”. Recentemente, um amigo meu me questionou sobre a leitura de clássicos. É uma questão que não serve para muita coisa, disse-me ele, são pontos de vista revestidos de subjetividade, portanto, podem servir para você, mas não servem para mim, concluiu. Sim, meu amigo pode ter razão, mesmo sabendo que os clássicos servem também para entender quem somos e aonde desejamos chegar, o próprio Italo deixou claro que é um equívoco pensar que “os clássicos devem ser lidos porque servem para qualquer coisa. A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos”. Isso fecha muito bem com a expressão “ler qualquer livro é sempre melhor que ler nenhum livro”. Vou citar um filósofo. Quem lê clássicos sabe quem foi Sócrates. Quando eu era criança, lendo livros de adultos, meu pai dizia que Sócrates foi o homem mais inteligente do mundo e que foi morto porque temiam seu conhecimento. Nas suas últimas horas de vida, enquanto era preparada a cicuta, ele estava ensaiando uma nova música com a flauta. "Para que lhe servirá essa nova ária?", perguntaram-lhe os amigos muito preocupados com a situação. E ele respondeu com muita naturalidade: "Para aprender esta ária antes de morrer". Que tal visitar uma biblioteca, porque bibliotecas são lugares ideais para achar clássicos, mas se isto não é possível, leia outro livro, não importa qual, porque todo livro é melhor que nenhum livro. E como afirma Ruth Rocha: “O processo de leitura possibilita essa operação maravilhosa que é o encontro do que está dentro do livro com o que está guardado na nossa cabeça”.  

< Anterior Próximo >