
A CIGARRA DA MEIA-NOITE
A CIGARRA DA MEIA-NOITE
Harry Wiese
Desde criança as cigarras me encantam. Isto porque me foi dito que elas, as cigarras, são mensageiras de São Nicolau, aquele “velhinho” que trazia os presentes de Natal para as crianças. Pensei, então, que eu deveria me comportar direito, do começo até o fim do dia. Mas pelo bem ou pelo mal, de que mais gostava era de seu canto afinado e melódico, inigualável, natalino. A cantoria começava logo de manhã e se estendia até o cair da tarde, enquanto houvesse luz do dia. Então não havia mais necessidade de vigiar as crianças porque elas se recolhiam para o sono da noite.
Naquele tempo, eu não conhecia a história das cigarras, que as suas cantorias no verão não têm nada a ver com o Natal. Eu não sabia que quando elas cantam já estão bem próximas da morte; em suma, cantam para morrer. Cantam, se acasalam, põem os ovos e morrem. As larvas ficam debaixo da terra por até dezesseis anos, saem do esconderijo, e aí começa tudo de novo. É uma linda e triste história, que nem elas mesmas conhecem.
Agora que sou adulto ainda aprecio o canto delas e fico triste por terem perdido sua função de auxiliar São Nicolau (Papai Noel) na missão de estabelecer parâmetros para os presentes de cada criança, de acordo com o seu estudo e comportamento durante o ano, principalmente, na véspera de Natal, quando os meninos ficam mais ansiosos e esperançosos na vinda daquele “bom velhinho”.
Mesmo assim, fico a apreciar a cantoria sibilante dos bichinhos e percebo que eles andaram mudando de hábito. Tenho a impressão de que, nos tempos atuais, elas cantam mais do que em tempos passados. Aqui perto de casa começam seu trabalho de manhã cedo e vão até altas horas da noite. Explicaram-me que é devido à luz. Hoje tudo está mais iluminado, em época de Natal ainda mais, e elas pensam que a noite ainda não desceu pela Serra do Mirador e continuam cantando. Agora mesmo eu ouço seu canto aqui perto de minha casa e já é noite faz tempo.
De uns dias para cá, pontualmente, à meia-noite, uma cigarra está cantando bem próximo de meu quarto, despertando a nostalgia, a admiração e o encantamento. É o canto da meia-noite de uma cigarra diferente. O(a) caro(a) leitor/leitora poderá até ter observado história igual ou idêntica, mas para mim, que eu me lembre, a cantoria a essa hora é inédita.
Enquanto ouço sua música à meia-noite, pois o sono deu uma trégua, meus pensamentos começaram a rodear pelo vasto mundo. Inicialmente apareceu o velho Machado e lembrei-me de seu conto “Missa do Galo”, um dos mais perfeitos clássicos da literatura brasileira. Para quem não o conhece vale a pena lê-lo. O(a) leitor/leitora, evidentemente, não vai encontrar indícios de cantos de cigarras. Uma das versões existentes da denominação “missa do galo” é que a celebração se inicia à meia-noite e termina muito tarde, quando os galos já começaram a cantoria. Galos, não cigarras!
Enquanto a minha cigarra da meia-noite, perto do meu quarto, insiste no seu canto noturno, meus pensamentos continuam voando longe, muito longe, até a Finlândia e outros países nórdicos. Lá acontece um fenômeno espetacular que é o sol da meia-noite. Para nós que temos bem definidos o dia e a noite, no sul do Brasil, fica difícil entender como pode ter sol à meia-noite lá nas proximidades do Polo Norte. Mas é isso mesmo! No inverno, o sol ilumina bem de leve, é lógico, aquelas montanhas cobertas de gelo. Isso deve ser lindo!
Perdoem-me leitores! Associar minha cigarra ao sol da meia-noite da Finlândia pode parecer meio caduco, mas não é. Fico imaginando como seria o Natal, lá nestas bandas, com muitas cigarras cantando e vigiando as crianças em seu comportamento. É claro que você leitor/leitora não acredita nisso, mas já acreditou em Papai Noel um dia! Ou não? Então...