A MISSÃO DO ESCRITOR
7 de setembro de 2020

A MISSÃO DO ESCRITOR

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A MISSÃO DO ESCRITOR Harry Wiese
Perdoe-me, caro leitor, por escrever novamente sobre literatura. Apraz-me a nobre missão de enaltecer a palavra escrita. Faço-o por ser professor das “letras”, amante e estudioso delas. Assim, não há como desvencilhar-me das palavras. As letras possuem o poder de agrupar e persuadir. Os textos possuem o poder da longevidade mesmo em tempo de desvencilhar-se dela. A função do escritor é registrar as ocorrências de seu tempo e encaminhá-las para a posteridade. É também escrever por aqueles que são desprovidos de escrita, que gostariam de contar as histórias, mas não podem. Por aqueles que têm o pensamento e não conseguem concretizá-lo em forma de texto. Então pode haver alguém que possa escrever por eles: o poeta e o contista. Outra função do escritor é recompor o perdido e o esquecido. Então, utiliza-se da pesquisa e da procura para transformar velhos acontecimentos em novos relatos. Para compreender melhor todo processo de produção textual ancoro-me em quem sabe mais que eu. Peço auxílio a Lygia Fagundes Telles e ela logo se dispõe a ajudar-me mesmo sem saber: "O escritor escreve, tentando recompor [...] um mundo perdido, os amores perdidos, a casa perdida, o paraíso perdido. Nesse paraíso perdido está a infância". Essa é a Lygia da Academia Brasileira de Letras, é a Lygia de “As horas, nuas”; é a Lygia que disse: “E os homens e as mulheres olhavam para ele com respeito porque a beleza exige respeito” e “Acho que andava triste comigo, mas quem aprendeu tanto devia perdoar quem sabe tão pouco”. Não tenho certeza se é preciso perdoar os incautos. O saber não pode ser medido, nem pesado e nem comparado. O saber é universal, mas também individual. É possível ser sábio sem conhecer as letras. Questiono Graciliano Ramos, o autor de Sinhá Vitória e Fabiano; do Menino mais Novo e do Menino mais Velho; do Papagaio e da cachorra Baleia e ele chega a me hipnotizar de tanta simplicidade. Eis o seu devir: “Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer”. Dizer a palavra é essencial. Assim disseram-na os aborígenes nas rodas ao redor do fogo nas noites de danças. Assim disseram-na colonizadores, quilombolas, guerrilheiros, náufragos, presidiários, missionários e aventureiros. Todos, a sua maneira, têm histórias para contar. Assim também me disse o eu-lírico, o narrador, que está dentro de mim, a voz criadora que dita as palavras, que se transformam em frases, em parágrafos e em páginas; em contos, poemas, fábulas, comédias e tragédias. A mesma voz que transforma criatividade em verdade. Foi Fernando Pessoa que definiu: “o poeta é um fingidor”, mas a criação é superior ao fingimento, é superior à condição humana. Cabe ao trabalhador das letras a condição de dizer as palavras com propriedade e convicção, com lealdade e comprometimento. A arte da palavra escrita agradece!   Escritor Harry Wiese

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