AS PALAVRAS E SUAS FACES
15 de outubro de 2020

AS PALAVRAS E SUAS FACES

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Harry Wiese A matéria-prima do escritor são as palavras. Sempre tive o desejo de dominá-las para usá-las de maneira que me dessem o caminho da verdade para que pudesse ser portador de textos bem escritos, evitando mal-entendidos e divergências de interpretação. Empreitada deveras difícil, praticamente impossível. O poeta Carlos Drummond de Andrade sabia das coisas. No poema “Procura da poesia”, ele bem definiu a matéria-prima dos poetas e escritores: “Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra”. Não me refiro somente às palavras da língua portuguesa, nem o poeta fez alusão a elas. As palavras têm suas faces múltiplas em todas as línguas e esse fato complicador me leva a raciocínios e razões diversificadas. Eis alguns exemplos: como vou entender a palavra “saudade” em outra língua? Seria “Heihmweh”, Sehnsucht? Na língua inglesa nem existe palavra que se aproxima ao significado do nosso idioma. Outro exemplo é “Heimat”. Como vamos entender em língua portuguesa esta palavra tão significativa para os que emigraram da Alemanha e se estabeleceram nas terras da antiga Hammonia e tantas outras colônias alemãs no Vale do Itajaí? Muito já se escreveu sobre o tema. Heimat, portanto, possui um leque de conotações e por isso mergulha num complexo de indefinições e ambiguidades. Eis algumas aproximações: pátria, torrão natal, pago, querência, rincão. Uma tentativa peculiar de explicação está em: “Heimat ist, wo unsere Toten schlafen und ihre Gedanken wachen”. (“Pátria” é onde nossos mortos dormem e seus pensamentos velam sobre nós). Quando se diz que pátria está onde dormem nossos antepassados também está se afirmando que estão sepultados em nossos corações, pois não é mais possível retornar à terra natal para cultuar os mortos em seus túmulos. A única maneira de reverenciá-los era e é trazê-los para cá nos corações e nos pensamentos. Por este motivo, nos primórdios de Hammonia, os túmulos eram considerados também as covas onde os imigrantes plantavam as sementes, onde enterravam as mudas, cujos frutos somos nós, nossas casas, indústrias, comércios, clubes, igrejas, hospitais e escolas. Não é exagero dizer que as sementes e as mudas continham teores altíssimos de anseios e esperanças. O túmulo, percebeu, caro leitor, antes guardião de cadáveres, agora, passou a ter o cossignificado de esperança, broto, alimento e bem-estar. É a outra face da palavra, a transcendência, a excelência, a proeminência. Depois de mergulhar nas reminiscências, eis alguns exemplos mais atuais. Hoje, recordamos os que já se despediram de nós, através de fotografias: álbuns de casamento, dos filhos, da família, de festas. A palavra fotografia, com certeza, também possui muitas faces. Fotografia é diferente de foto. Fotografia tem a ver com arte: a arte fotográfica. A fotografia com arte tem sua origem na mente, seleciona a imagem pelo olhar e pela câmera e só então, quando tudo estiver em harmonia, aperta-se o botão da máquina. Depois de reveladas são admiradas e guardadas para a posterioridade. Foto é diferente. Hoje todos tiram fotos. Muitas não duram mais de um dia. São só imagens, não se concretizam. Sim, caro leitor! Não desejo proceder a críticas e nem alimentar polêmicas. Só quero dizer que as palavras têm mil faces, nenhuma é igual a outra por mais que falemos em sinonímia e outros aspectos da nossa grã-gramática. Drummond o disse com muita competência! Vou ter que parar aqui, pois o espaço é limitado, mas, com certeza, você conhece tantas outras expressões, em português, alemão, inglês e italiano, com inúmeras e múltiplas faces. Pense nisso, aliás, pense nas palavras!

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