CONSIDERAÇÕES SOBRE LEITURA
22 de outubro de 2020

CONSIDERAÇÕES SOBRE LEITURA

Categoria | Sem categoria

CONSIDERAÇÕES SOBRE LEITURA Harry Wiese Vez ou outra me vem o impulso de escrever sobre leitura, sobre o ato de ler e interpretar. Aliás, os apelos sobre esses assuntos são muitos, dentro e fora da escola. Conceitos de “ler” e de “leitura” são encontrados em livros, revistas e internet. E isso é bom! Vem-me agora à mente um dos grandes pensamentos do educador brasileiro Paulo Freire, que em certo momento de seu exílio, disse: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Isso significa que antes de ler palavras, a criança lê o mundo. Os adultos também leem o mundo antes das palavras, é lógico, e o fazem a todo instante. Hugo Assmann chama esse modo de ler de leitura sociocultural. Como eu sou muito ligado à História da nossa terra e da nossa gente, vou direcionar meu texto àqueles que aqui chegaram em tempos de iniciar nova etapa de vida, ou seja, uma experiência na selva. Os imigrantes necessitavam demais fazer leituras de mundo. Sabemos que saíram da Europa, onde tinham profissão e experiência no que faziam e vieram para cá com a incumbência de se estabelecer no meio da mata virgem. Aqui... pois é! Seus sonhos eram mais fortes que eles próprios, por isso resistiram. Diante de uma natureza pródiga e complexa tinham que aprender como concretizar seus sonhos. Em outro discurso, tinham que iniciar seus trabalhos fazendo as leituras de mundo, de acordo com o pai Paulo Freire. Olharam para o céu, viram o Cruzeiro do Sul e chegaram à conclusão de que Deus existe. Depois leram a direção dos ventos, os movimentos das nuvens, de que lado vinha a chuva, os pios dos pássaros, os roncos em forma de berros dos bugios e o murmurar da selva ao sopro do vento antes da chegada das chuvas. Não poderiam se esquecer de fazer a leitura do Sol. Onde nascia e onde se punha. Importantíssimo era saber ler as horas pela posição do astro-maior. Sol a pino era hora de recolher os instrumentos de trabalho, fartar-se em refeição e cochilar ali mesmo debaixo de árvores ao gorjeio de pássaros. Ainda era preciso ler o crescimento e o amadurecimento das plantas e as vontades e necessidades dos animais. Viam-se entre a proteção e a repulsão. Animais da casa careciam de afeto e conforto e os que se prestavam à nocividade eram repelidos a chumbo e fúria de cães. Era absolutamente prudente ler o silêncio das cobras e o remanso dos rios. Sim, caro leitor, as leituras eram muitas. Até o caminho das formigas-cortadeiras precisava ser lido. Não ficaram para trás as leituras dos latidos de cães em altas horas da noite e em perseguição a animais selvagens, como: onças, gatos-do-mato, graxains, pacas, tatus, veados e antas. Era preciso saber ler a posição da presa, se estava acuada em árvore, no chão ou em buraco de terra. O estilo de latido diante de cada situação necessitava ser entendido, pois indicava o tipo de bicho e o local onde estava cercado. Não se podia encarar onça de mãos abanando, nem de pica-pau de alcance frágil. Muitas outras leituras eram estritamente necessárias. Aos mais jovens cabia a leitura das donzelas e dos moços: suas curvas, tamanho de tudo, tipo de cabelo, modo de ser e falar, dedicação ao trabalho, força e beleza, comportamento nas igrejas, nas ruas, nas danças domingueiras e nos relacionamentos amorosos. Decisões tomadas eram decisões de vida inteira. Que se danasse quem não soubesse ler. Hoje os tempos são outros, mas a leitura sociocultural, ou como quer que a chamem, nós a fazemos todos os dias. Temos máquinas, de simples a complexas, grandes e pequenas; temos tudo o que não se imaginava naqueles tempos de vida dura, mas bonita; temos conhecimentos apurados, tecnologias avançadas; liberdades conquistadas, mas precisamos ler o mundo, antes, durante e depois da leitura das palavras, porque o Cruzeiro do Sul ainda está lá para ser interpretado, o vento ainda sopra trazendo chuva ou tempo bom, os cachorros foram morar em prédios e as donzelas continuam caminhando nas calçadas da vida. Caro leitor e cara leitora! Não deixe de ler as palavras e o mundo! Fazem bem ao corpo e ao espírito!  

< Anterior Próximo >