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Caminhando um passo à frente

7 de outubro de 2018

| IvoFerrari

TRECHOS OBRA CAMINHANDO... UM PASSO À FRENTE:

 

RUA DE PEDRA

 

 

 

 

Rua de pedra.

Pedra dura.

pedra ferro

granito rosa

preto

cinza

de outra cor que fosse

pura noção de pedra

no resplendor da montanha

monástica e severa

criada

na solidão do tempo

solenemente exposta ao luar

enquanto as noites e os dias

te oxidam

como metal

se oxida no fundo do mar.

 

 

Não és menos dura

Tu que fostes arrancada

com brutalidade

de teu berço natural na montanha

onde dormias esquecida

por muitos séculos

agora dormes

disposta

paralela e plana

indicando o caminho em vários

sentidos e direções.

 

A milhares de anos

lavada

pisada e repisada

gasta e polida

por milhões de pés que passaram por ti

ora por nobres a passeio

ora por escravos serviçais

descalços feridos e sangrando

somente tu poderás dizer-me

de quantos tipos de sangue

fostes dolorosamente banhada

quem te vê apenas uma pedra

de rua urbana

escaldante

e sonora

polida como espelho pelo tempo e uso

lavada escovada de teu pó e sangue

não sabem

de quantos segredos és feita

apenas ouvirão de ti um imaginário

de acontecimentos

passados dia após dia

acumulados como a montanha

que eras de pedra agora de fatos...

de lembranças...

 

Que mãos rudes e hábeis te moldaram

Neste lugar firme e plano

Neste teu rejuntamento quase regular

Nas tuas linhas da vida

Leio como se fossem mãos de pessoas.

Como tudo vês e tudo guardas

Um passado de que és testemunha

 

 

A cada dia mais perfeita

Mais que perfeita

Milhares de anos terás pela frente

Teu tempo será eterno

Verás muitas coisas ainda

Que serão guardadas em ti

Para todo o sempre

Como segredos de pedra.

 

Quantos já levaram de ti

Entre os dedos

Ou grudado na sola dos pés

Um grãozinho como lembrança

E tu absorvestes o calor

E tirastes muito mais

Dos que pisaram em ti

Do que destes.

 

Os que vistes passar

Já se foram

Todos num único sentido

Por que a vida é estrada

De mão única sem volta

Não importa qual direção

Quem de ti se serviu já se foi

Pisando, repisando

Ou tristemente carregado

Deixando apenas uma marca invisível

No teu polimento

Lustroso em dias de chuva

Brilhante em dias de sol.

 

Eu te olho

Vejo espelhado em ti

Muitos acontecimentos

Passados e futuros

Fotografados em preto e branco

Imagens eternas

Por muitos séculos ainda.

 

Agora que estás silenciosa

Caminho em ti como num

Tapete translúcido

Que se estende lentamente sozinho

Deslizando dentro da noite escura

Tortuoso ou reto em aclive ou declive.

 

Iluminada apenas pela lua solitária

Como testemunha fria e distante

Guia-me os reflexos em teu chão

Escuro e liso

És meu caminho

Tendo apenas por companhia a sombra

Que se alonga alem de mim mesmo

Como se fosse eu andando

Na minha frente

Antecipado.

 

Escuta! Alguém grita na minha mente:

 

- “Que pecado! – Alguma coisa medra

        Tua sombra a frente de teu corpo

        Deslizando neste chão duro de  pedra”.