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Memórias de um Italiano na Revolução de Trinta em Santa Catarina

30 de outubro de 2018

| Beatriz Pellizzetti Lolla

BEATRIZ PELLIZZETTI LOLLA

MEMÓRIAS DE UM ITALIANO NA REVOLUÇÃO DE TRINTA EM SANTA CATARINA

 

ORELHA 1

Figura curiosa a de Ermembergo Pellizzetti, discípulo de Giovanni Rossi, um dos fundadores da Colônia Cecília, experiência anarquista em Palmeira, na Província do Paraná. A sua duração é efêmera, mas, em compensação, ela consolida a amizade entre Rossi e Pellizzetti, que subsiste como colaboração científica e laços de fraternidade.

A obra de Pellizzetti é vasta, tratando de botânica e sericultura, de política e de administração. o que prova a sua versatilidade e a adaptação às condições de vida as mais amplas. É assim que ele se volta para trabalhos diferentes, produzindo frutos diferentes , conhecidos hoje pelo esforço de sua filha Beatriz Pellizzetti. Graças a ela, temos a oportunidade de conhecer um documento particular, um diário íntimo, relacionado com a Revolução de 1930 em Santa Catarina.

O leitor poderá, com poucos argumentos, demonstrar-nos que a Revolução de outubro teve importância mínima nesta região do Sul do Brasil. E que, desta maneira, sem grandes mobilizações, sem grandes combates e sem oposições políticas significativas, o movimento revolucionário em Santa Catarina nenhum valor teve para merecer destaque. No entanto, o diário de Pellizzetti comprova-nos que, para uma apreciação crítica maior, seria necessário não só analisarmos estes argumentos, mas também acrescentarmos a eles outros componentes do cotidiano, isto é, do psicológico e das reações pessoais coletivas.

Pellizzetti, em 1930, é deputado por Blumenau (Rio do Sul ainda não se tornara município), na Assembléia Legislativa do Estado. As suas notas, desta fase, tratam dos acontecimentos em Florianópolis (4 a 10 de outubro),  Brusque e Gaspar (11 a 12); de 12 em diante, Rio do Sul. No decorrer desta trajetória, ele anota observações vivas, retratando com fidelidade os acontecimentos que se passam sob seus olhos.

Levantemos algumas observações: o estouro da Revolução não é surpresa para ninguém, e seu anúncio, em Florianópolis, aparece como sendo um fenômeno normal. Em outras palavras, “era de prever”. O Congresso Estadual reúne-se normalmente no dia 4 e, em nenhum momento, o tema revolução parece preocupar os deputados: “ a maioria não liga importância ao caso”. No dia seguinte, com raras exceções, a inércia da classe política continua a mesma. No dia 8, o Congresso, como se nada tivesse acontecido - e como se as tropas revolucionárias não estivessem se encaminhando do Rio Grande do Sul em direção ao Estado - , continua a discutir o projeto de desmembramento da comarca de Rio do Sul. A alienação é, assim, o traço marcante de uma elite marginal brasileira.

PRIMEIRAS PALAVRAS

Dedico a Ermembergo Patrízio Felice e Maria, meus pais, à Rosália, primeira esposa de meu pai, a meus irmãos, Dante, Sílvio, Eugênia Bonagura, Amabile Finardi, Victor, Ivanhoé, Humberto e suas famílias. Especialmente, a Amabile que foi incansável nos 22 dias de recuperação da parte do Arq. E. P. que resistiu em blocos de lodo, após ter passado dez dias submerso na inundação do rio Itajaí-Açu em 1983. Dedicarei sempre uma homenagem especial à minha mãe que preservou a lembrança de meus familiares na Casa, onde, no momento, se encontra o Espaço Cultural Maria Pellizzetti, participando, em parte, das comemorações de nossa comunidade riossulense. Assim, graças a tudo isto, é que consigo, agora, divulgar os textos que o memorialista habitualmente escrevia para nossa família e talvez não imaginasse que se tornaria de domínio público.

Ao inesquecível Aulo Lolla, que amava o Brasil e Santa Catarina.

Aos meus amigos.

 

PREFÁCIO

            A REVOLUÇÃO DE 1930 tem sido comentada e analisada por numerosos autores, que se detiveram em seus aspectos fundamentais - históricos, econômicos, sociológicos e militares - ora tratando-os em seu desenvolvimento geral, ora examinando-os nos centros da rebelião - Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba - e, muito frequentemente, em relação a áreas de participação secundária. Santa Catarina foi uma destas áreas que, não obstante ter a atuação de líderes que participaram e marcaram sua presença nas conspirações e na campanha que levaram à eclosão do movimento revolucionário, sofreu ataques de rebeldes de outros rincões, apesar da participação de sua gente nas lutas que então se travaram.

Santa Catarina, até recentemente, não tinha contribuído para que o conhecimento da Revolução de Trinta também fosse aprofundado em nossa sociedade. Apenas Osvaldo Rodrigues Cabral e Walter Fernando Piazza, em suas obras sobre a história geral catarinense, tinham tratado da Revolução, contribuindo, brilhantemente, para sua história em terra barriga-verde. Além dessas obras, os jornais publicaram memórias de políticos que participaram do movimento.

Os jovens historiadores catarinenses estão, agora, trazendo à luz seus trabalhos sobre o importante episódio revolucionário em Santa Catarina. Em 1984, Carlos Humberto Corrêa publicou profundo estudo da história política em solo catarinense no período de 1930 a 1935, sob o título - UM ESTADO ENTRE DUAS REPÚBLICAS; agora, em 1986, Beatriz Pellizzetti apresenta  MEMÓRIAS DE UM ITALIANO NA REVOLUÇÃO DE TRINTA EM SANTA CATARINA, depoimento de imigrantes que presenciou a revolução nas ruas e a acompanhou, dia-a-dia, na pequena cidade de Rio do Sul, em que residia. Quando Carlos Humberto Corrêa publicou sua obra, Beatriz Pellizzetti já havia terminado seu trabalho. Ambos os autores marcam os anos oitenta por duas visões diferentes da Revolução de Trinta em Santa Catarina.

Pequena biografia do autor das Memórias, Ermembergo Pellizzetti; descrição do arquivo desse italiano com a indicação dos estudiosos que dele se utilizaram; resumo sobre o movimento de 1930 e notícias da mesma revolução em Santa Catarina constituem a introdução que escrita por Beatriz Pellizzetti, dá unidade e sentido a toda a obra.

Os temas tratados por Beatriz Pellizzetti são indispensáveis neste livro. A apreciação do que, dia-a-dia, escrevia Ermembergo Pellizzetti necessita de conhecimento sobre a vida do autor do diário, da mesma forma que as notas sobre seu arquivo são indispensáveis para a compreensão de que as observações sobre a revolução de 1930 não foram acidentais, mas o fruto do hábito que, há longo tempo, mantinha de passar, para o papel, a confidência sobre os fatos que observava e o que sobre eles pensava. Homem cuidadoso e metódico, o memorialista juntava, em seu arquivo, papéis e documentos que lhe recordavam os assuntos sobre os quais escrevia.

A INTRODUÇÃO SOBRE O MOVIMENTO DE TRINTA, em que Beatriz Pellizzetti condensa a parte geral da história dessa revolução, é excelente resumo desse importante episódio da vida política do País. Regionalizando os acontecimentos revolucionários, o capítulo NOTÍCIAS DA REVOLUÇÃO DE TRINTA EM SANTA CATARINA, além de mostrar como a insurreição se desenvolveu em nosso Estado, dá os elementos indispensáveis para se acompanhar os acontecimentos comentados no “Diário”. Sua autora não teve em mira fazer a história da revolução em Santa Catarina, pois seu objetivo, conforme escreve em INTRODUÇÃO, foi “perseguir o trajeto dos acontecimentos no citado ambiente, no invólucro de sua conjuntura regional e nacional”. Marcando, rigorosamente, sua intenção, a autora apontou as notícias que, naquela época, publicavam os jornais de Florianópolis e Blumenau, justamente as fontes de informações de que se servia o autor das memórias para comentar o que presenciava em sua área. Aos catarinenses pode parecer que a autora se apoiou mais na documentação paranaense do que na catarinense, mas isto não sucedeu, porquanto a revolta alcançou Curitiba e o Estado do Paraná, enquanto Florianópolis e o Estado de Santa Catarina se mantiveram fiéis ao Governo legal. O território catarinense teve que ser conquistado pelas tropas revolucionárias, e Florianópolis somente caiu em poder dos rebeldes quando a Revolução triunfou.

As providências revolucionárias emanadas de Curitiba eram da 5ª Região Militar, onde o Major Plínio Tourinho assumiu o comando dessa alta unidade do Exército. Por parte do governo legalista, o comandante da 5ª Região Militar era o General Nepomuceno Costa, que instalou seu Quartel General em Florianópolis. As notícias sobre a Revolução, que  circulavam no Vale do Itajaí, eram as publicadas pelos jornais “O Estado”, de Florianópolis, e “A Cidade”, de Blumenau; os movimentos das tropas revolucionárias sob o comando da 5ª Região Militar, de Curitiba, eram noticiados pelos jornais da capital paranaense.

O Diário de Ermembergo Pellizzetti, relativo à Revolução de 1930, é documento de grande importância para se conhecer a influência do movimento revolucionário no seio da população. São manifestações desta natureza que nos permitem ter a visão da penetração das idéias pregadas pelos líderes do movimento nas camadas populares. No Estado de Santa Catarina, povoado, em maior parte, por descendentes de imigrantes de várias etnias, de que a mais numerosa é a italiana, o Diário contém o registro da maneira como repercutiu a Revolução na comunidade de Rio do Sul, constituída por brasileiros, italianos e alemães, bem como por brasileiros das gerações que se originaram de velhos imigrantes.

Ermembergo Pellizzetti, imigrante não agricultor, que veio para o Brasil por sua própria iniciativa, era homem de grande sensibilidade para os fatos sociais, como tivemos oportunidade de verificar, em Rio do Sul, quando conhecemos. Analisava, com muito equilíbrio a política da sua pátria, de que estava afastado desde 1896, e a do Brasil. Os seus interesses voltavam-se para os aspectos práticos da vida, mas olhava a todos com simpatia e procurava ajudar mesmo a quem nada lhe pedia. Exemplo dessa disposição encontra-se nas Memórias, quando escreve, ao ouvir sobre a cobrança de determinada importância por salvo conduto para viajar: “vou já ao Palácio para fazer ver a quem de direito a impropriedade desse procedimento…”

O depoimento de Ermembergo Pellizzetti tem ainda o interesse de provir de pessoa que fazia parte do grupo dominante da política apeada do Poder pela Revolução, em pequeno município do interior. Retirando-se para sua cidade, o antigo deputado mantinha sua liderança e esforçava-se para se manter a par da evolução dos acontecimentos.

A iniciativa da Professora Beatriz Pellizzetti de publicar a parte do Diário de Ermembergo Pellizzetti referente à Revolução de 1930 merece a gratidão dos estudiosos da história e da vida social do Estado de Santa Catarina.

A Revolução prosseguia, fazendo-se sentir na estrada que atravessava a pequena cidade, onde a população se dedicava à sua vida quotidiana, comentava os fatos e os boatos, apenas se abalando por requisições de veículos, animais e mantimentos. O memorialista agitava-se com os novos aspectos que a vida lhe mostrava, porém jamais se deixou abalar na confiança que mantinha nos homens do País em que vivia. Seus sentimentos, Ermembergo Pellizzetti, debruçando-se sobre seu Diário, deixou bem claro na passagem do primeiro ano da Revolução brasileira, quando também pensou no aniversário da Revolução italiana: “amo a minha terra de nascimento e esta adotiva de igual maneira, faço votos para que ambas sejam um exemplo de uma elevada fraternidade para o gênero humano…”

 

Florianópolis, janeiro de 1986

Victor Antonio Peluso Junior

Historiador e Geógrafo

Ex-Presidente  e Presidente Perpétuo do

Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina

 

ORELHA 2

Ainda mais, ela vive mal-informada, como podemos ver no seguinte episódio: no dia 15, o bispo de Joinville, que “estava percorrendo a zona colonia”, nada sabe do que se passa.

Outro aspecto rico é o resultado de observação sobre as tropas revolucionárias. Sabe-se muito bem que boa parte das forças revolucionárias foram convocadas no momento da deflagração de 3 de outubro de 1930, forças essas que se somaram às Forças Públicas dos diversos Estados e a alguns elementos do Exército favoráveis à Aliança Liberal. A descrição das tropas, feita pelo autor, é memorável: eles passam a cavalo e é “verdadeiramente impressionante ver a variedade de tipos, pretos, mulatos, caboclos, velhos, novos; a maioria, porém, são brancos, tipos esfarrapados, descalços, bem trajados; tinha também uma moça. São todos armados de boas espingardas, passam enfileirados, dois a dois, têm os seus comandantes ou oficiais que sejam também trajados à paesana (sic), em geral estes são gente de boa posição, ou fazendeiros ou estudantes.”

Estas poucas linhas talvez valham por um tratado sociológico sobre os movimentos armados dirigidos pela oligarquia. Como este exemplo, temos muitos outros que o leitor facilmente descobrirá por si. Para terminarmos, vamos levantar outra questão, traço que caracteriza a hombridade do autor do diário: é o respeito que tem por seus correligionários, durante a bonança ou na hora da amargura, da derrota. É o caso com Victor Konder, Ministro do Estado na época da Revolução, que fica ao lado de Washington Luis, e é exilado pelo Governo Provisório de Getúlio Vargas: Pellizzetti é o seu defensor e, ao ver seu amigo destratado, “respondo e confundo”.

EDGAR CARONE

Historiador e Professor da Universidade de São Paulo.

 

Trata-se de mais um excelente trabalho da professora Beatriz Pellizzetti Lolla, no seu esforço para levantar a história da colonização italiana no Sul do Brasil e sua contribuição ao desenvolvimento político-econômico do País.

O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro recomenda-o aos estudiosos como excelente fonte de pesquisas.

VICENTE TAPAJÓS

então presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1992 - 1996)

 

 

CONTRACAPA

            De fato, Memórias de um Italiano na Revolução de Trinta em Santa Catarina consta do diário, fonte inapreciável para pesquisadores e cientistas sociais em geral, com uma introdução da historiadora Beatriz Pellizzetti, dividida em três partes: Ermembergo Pellizzetti, o arquivo e sua historiografia; sobre o movimento de trinta; notícias da revolução de trinta em Santa Catarina. Com a presente edição, o estudioso tem material expressivo para entendimento da problemática do Brasil meridional,

“Nesses três capítulos está a introdução de Beatriz Pellizzetti. Segue-se o Diário de Ermembergo Pellizzetti Durante a Revolução de Trinta. Teoricamente é a parte mais importante deste volume, pois sua publicação é o motivo da iniciativa editorial. Toda memorialística tem interesse e valor, seja a autobiografia, seja o diário íntimo”

“agora vou fazer a revolução a meu modo, entro no mato e vou iniciar uma revolução com base  agrícola”. Era obcecado pela terra, por seu aproveitamento pela agricultura, como aprendera sobretudo com seu mestre Rossi. Realçam-se no diário ainda páginas de interesse para os cultores da petite histoire de Santa Catarina e sobretudo de Itajaí e de Rio do Sul, com fartas notícias de primeira mão sobre tais problemas.”

“Publica-se em boa hora este diário, de interesse pelo conteúdo e pela personalidade rigorosa do autor. Deve-se mais este serviço à lucidez e diligência de Beatriz Pellizzetti, pesquisadora e historiadora digna de nota, como se vê pela introdução do presente volume. Confirma assim mais uma vez suas qualidades e enriquece a sua obra, toda voltada para a história do Brasil meridional, em aspectos bem escolhidos e determinados.

 

FRANCISCO IGLÉSIAS

Professor Emérito da UFMG.

Membro da Comissão Internacional para uma História Científica e Cultural da Humanidade da Unesco.

Membro do Conselho da Direção da Revista Brasileira de Estudos Políticos

e do Conselho de Desenvolvimento Político Cultural.