
1 de outubro de 2020
Vagas lembranças
Categoria | Julis Felipe
Certa feita, em um asilo para doentes de Alzheimer, no fundo de uma gaveta, em velho móvel de um quarto bem cuidado, um enfermeiro encontrou uma singela carta, que em letras tremidas dizia: Vagas lembranças Eu lembro de quase nada, quem eu sou, aonde estou, e vivo em minha concha, só em minha jornada. Há um mundo paralelo, que eu vivo plenamente, e que você não entende, mas para mim é tão belo. Eu ajo como criança, fechado em poucas lembranças, vivo na esperança, mas ainda assim te amo. Não sei se sou um pai, se sou filho ou avô, eu não me recordo mais, não sei para onde vou. Não controlo reações, e sou refém de emoções, eu sofro perturbações, pouca coisa me sobrou. Eu peço não te irrites, e também não me queiras mal, o meu mundo, para mim, é normal, mesmo que com medo fiques. Mantém ligada a compaixão, me cuida com teu coração, pois já que a minha razão, não é mais como outrora. Saiba que estarei livre, e um dia recuperado, logo além, no outro lado, viveremos boa hora. Deixe que eu esqueça um pouco, dos desertos e dos espinhos, possa eu viver num ninho, sem que me tratem por louco. Pode ser só um descanso, prévio, que o Pai me deu, uma enseada, remanso, daquilo que me sucedeu. Não esqueças que sou gente, só porque estou diferente, seja amigo, simplesmente, que eu vivo um mundo meu. Olhe para mim com ternura, mansuetude, candura, no fundo sou alma pura, um ser que da dor se esqueceu. Saiba que sou seu irmão, não importa o que sejamos, viajantes na imensidão, bem ali nos abraçaremos... Julis Felipe - 01/10/2020